Notícias sobre torcidas organizadas não é tão raro de se achar, principalmente nos dias posteriores aos clássicos regionais. Entretanto, as notícias seguem sempre a mesma linha, que são as brigas entre os torcedores rivais. Para mostrar um pouco mais sobre o que é uma torcida organizada, estive na sede da Dragões da Real entrevistando o presidente da agremiação, André Azevedo.
Nesta entrevista, o são paulino fala sobre a história da Dragões, o relacionamento com os dirigentes do clube e de outras torcidas, a questão da violência, dentre outras coisas. Confira!
Como nasceu a Dragões da Real?
Nesta entrevista, o são paulino fala sobre a história da Dragões, o relacionamento com os dirigentes do clube e de outras torcidas, a questão da violência, dentre outras coisas. Confira!
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Kaique Dalapola e André Azevedo na sede da Dragões da Real (Foto: Rubens Rodrigues) |
A Dragões é uma torcida de 1984, que foi na época uma fusão de outras duas torcidas. Até existia uma torcida no começo da década de 80, especificamente 80, com o nome só Dragões, não era Dragões da Real, e que depois houve uma fusão de outras torcidas e acabou chegando a esse nome em 15/06/1984.
Qual a ideologia da Dragões?
É a ideologia principal de qualquer organizada: Apoiar o clube independente de resultado, independente de tempo, de horário de jogo, independente de ser jogo festivo ou não. A torcida organizada, não só a Dragões, tem essa particularidade em relação aos outros, que ela não escolhe o jogo para assistir, ela vai em qualquer momento.
Você integra a torcida há quanto tempo?
A Dragões não foi a minha primeira organizada, eu fiz parte de outra. Em fevereiro de 2000 entrei na Dragões, vou pro meu 15º ano na torcida, 7 na presidência.
Desses anos, teve algum jogo que marcou mais?
Negativamente 2008, na final do Campeonato Brasileiro, que foi a morte do César [presidente de honra da Dragões]. Então foi um título que eu não comemorei, e hoje quando vejo alguma referência não me traz boas lembranças. Futebolisticamente falando, o jogo que mais me marcou não foi nenhuma vitória, foi uma derrota na final da Copa do Brasil para o Cruzeiro. Não sei o porquê, mas marcou até mais que alguns outros títulos mais importantes que a gente perdeu, esse foi o que mais me marcou que eu lembro de ter sofrido mais na época.
A Dragões tem aproximadamente quantos associados?
A Dragões cresceu muito fora de São Paulo, e a gente tem muita dissidência pelo resto do país e até fora dele. A gente tinha uma numeração que estava beirando os 20 mil, só que era uma coisa da época da fundação, a gente começou um recadastramento agora, estamos por volta de 3 mil pessoas, mas falta cadastrar muitas pessoas de fora. Então, se a gente for pegar uma coisa mais globalizada do pessoal que a gente tem até agora, nos Estados Unidos, Portugal, Japão e outros locais, a gente deve ter umas 8 mil pessoas espalhadas pelo globo. E vários simpatizantes, até por causa da escola de samba, que agregou muita gente que às vezes não se associou à torcida, mas se associou ao universo Dragões, porque na escola de samba tem pessoas que se associam e não fazem parte da torcida. Então o universo Dragões tem muito mais que isso.
Qual a relação da Dragões com a diretoria do São Paulo?
Uma relação boa, como eu acho que tem que ser de uma torcida com o clube. Não é baseada em ajuda, em nada, só em conversa, porque acho que a maioria dos diretores também, por mais que a presidência troque, o corpo dos diretores é uma coisa que está lá há anos e como a gente também frequenta esse mundo há anos não é nada mais do que normal conhecer muita gente no clube.
A gente fez uma viagem pela Europa pra ver como funcionava a relação de clube-torcida lá, e eles são muito próximos. Eu acho que é dessa forma que tem que ser, tem que conversar, tem que dialogar. Mesmo porque os dois acompanham a mesma coisa, gostam da mesma coisa, torcem para que a mesma coisa dê certo, então nada mais justo do que ter um bom relacionamento.
Falando nessa sua viagem pela Europa (Alemanha, Portugal), conte como foi a experiência. O que você acha que o Brasil ainda deve muito e o que tem no Brasil e ainda falta lá?
No Brasil não tem nada! Na realidade a gente tá longe de ser o país do futebol, eles colocam essa referência por causa dos cinco títulos que o Brasil tem [em Copa do Mundo], mas a própria CBF avalia o futebol brasileiro pela seleção e não pelos clubes. A gente tem uma confederação rica, milionária em questão de patrocínios, e clubes falidos. Pra torcida não é diferente, a gente acompanhou isso na Alemanha que a própria imprensa adora anunciar que queria que o sistema aqui adotado fosse o sistema europeu, então se eles adotarem o sistema europeu a gente tá bem. Porque para torcida lá fora funciona de uma maneira completamente diferente do que aqui. Lá na Europa vende cervejas nos estádios, no setor dos Ultras não têm cadeiras, você assiste o jogo em pé, têm as bandeiras de mastros, têm os mosaicos, tem o papel picado e têm outras referências que aqui não tem. Então, se eles tanto declaram que o futebol brasileiro tem que se organizar pra seguir o europeu que siga também esse padrão para a torcida, porque a diferença é gritante. Lá os estádios são cheios, o valor do ingresso é justo para alguns setores, não tem jogo num horário que não tenha transporte público, do lado de 95% dos estádios tem uma estação do metrô para que o cara vá embora, ele tem uma referência de alimentação, ele pode jantar no estádio. São várias coisas que aqui não têm, nós somos atrasados em todos os aspectos. O Brasil tem que aprender muito.
Quais são as aliadas da Dragões no Brasil? E explique pra que servem as alianças de torcidas.
A gente tem muita referência de aliadas. Têm algumas torcidas que não tem esse termo de aliada, mas a gente tem um respeito de amizade. Eu acho que hoje tem que ser baseado mais nisso do que numa aliança. O respeito serve pra você construir amizades, te ajudar e ser ajudado também. Talvez o princípio básico para quem, lá atrás, criou isso era ter um suporte de logística, mas acho que hoje mudou muito. A gente acaba indo muito mais para um lado de amizade, amizade pessoal. Acho que deveria até ser mais explorada pela mídia, que fala tanto de briga de torcida, mas não fala das amizades das torcidas, que têm muitas espalhadas pelo Brasil.
Há anos o movimento de torcidas organizadas vem sendo muito grande nas redes sociais. Até que ponto essas redes podem beneficiar e prejudicar o trabalho das torcidas?
Depende muito de quem tá atrás do computador. Você pode fazer grandes movimentações para o bem e para o mal, então, na realidade esse processo atrapalhou mais do que ajudou porque as pessoas se escondem atrás do computador, escrevem o que quer, propagam coisas ruins; tira um pouco também os torcedores dos estádios. Têm muitos torcedores virtuais. Você vê comunidades com um milhão de pessoas e estádios com três mil pagantes, e todo mundo lá [na comunidade] fala que foi pro jogo. Então a gente vive meio que uma mentira. Eu acho que, infelizmente, a internet, por causa das pessoas que usam e do futebol moderno, acabou atrapalhando.
“Amo a Dragões da mesma forma que amo o estilo e a vida das organizadas do Brasil e do mundo inteiro e ver o atual quadro delas no Brasil me entristece.”
Essa é uma fala sua no Fórum Internacional das Torcidas. O que mais te entristece nas torcidas do Brasil?
Essa é uma fala sua no Fórum Internacional das Torcidas. O que mais te entristece nas torcidas do Brasil?
É porque eu vivo torcida organizada há muito tempo, e todos torcedores organizados, por mais que não admita, além dele amar sua torcida, e acompanhá-la, ele gosta de outras referências. Toda vez que ele assiste um jogo na televisão ele olha para a arquibancada; toda vez que ele entra na internet vê uma outra festa, qualquer outra referência sobre outra organizada. Qualquer um é assim, só que uma grande maioria talvez não assuma. Então, além de amar a Dragões, eu amo esse estilo de vida, eu amo torcida organizada e eu vejo hoje que torcida organizada vem passando por uma fase turbulenta. A marginalização aumentou por causa do sistema e da mídia, a falta de festa nas arquibancadas é uma coisa visível, já não é mais aquela estética que era antes. Então isso me entristece, porque o sistema tem uma parcela de culpa por jogar uma culpa demasiada na torcida, porque as torcidas acabam pagando toda a conta, todos os erros. Mas, as torcidas estão contribuindo para que as pessoas acabem fazendo isso com a gente, elas [torcidas] não se manifestam conjuntamente, cada uma vive seu mundo. Seria um dos segmentos sociais mais fortes do Brasil, junto com o movimento religioso, político, universitário e outras classes que existem, só que por vaidade, por falta de inteligência não consegue lutar pelo direito do torcedor e tentar mudar esse quadro. Então isso me entristece: a falta de articulação das mesmas para conseguir a mudança de quadro do futebol brasileiro.
Agora quero falar do tema ma comentado quando se trata de torcidas organizadas: A violência. Há algum motivo que causam as brigas de torcedores organizados?
Sua pergunta está errada. O motivo não gera violência nos estádios, a gente tem que questionar o que gera violência no nosso dia-a-dia, na sociedade. A violência não se tem só no futebol, ela existe na rua, nas favelas, nas periferias, no trânsito, na política; a violência está em todos os lugares, horas, locais e tudo. Quem serve como berço para as torcidas organizadas é a sociedade, o que forma o cidadão que vai entrar na torcida organizada é a sociedade. Com a falta de estudo, a falta de educação, com o desemprego, com problema familiar e várias outras coisas, então não dá pra tratar como violência de torcida. É violência. E não violência em torcida. A torcida é só uma extensão do que a gente já vê no nosso dia-a-dia, então não vai ser diferente, sempre haverá violência em torcidas enquanto houver a violência social.
Recentemente em uma dessas reuniões pré-clássico, de torcidas com a polícia militar, um diretor de torcida recomendou para que os jogadores não comemorassem de forma acintosa caso marcassem gols. Você acha que o futebol chegou a esse ponto mesmo, de perder a essência por causa de pessoas que não conseguem se controlar?
Não, é que é assim: Você já ouviu falar em crime passional? Crime passional é tudo aquilo que envolve paixão. Tudo que envolve paixão, às vezes faz com que a pessoa não aja de forma coerente. Você pega o negócio da torcida Mancha Verde [do Palmeiras], que quebrou as cadeiras no Itaquerão, a própria imprensa fez um levantamento das pessoas que quebraram as cadeiras e são universitários, são pessoas com educação, mas naquele momento estavam fora de si porque a paixão acaba tomando conta da pessoa. Quem comete um crime passional no momento não pensa no que está fazendo, só pensa nesta questão de paixão que consome a pessoa desta forma. Então, em um jogo onde se coloca três mil pessoas juntas, onde estão à flor da pele, colocando pra fora tudo aquilo que ela tem reprimido no seu trabalho, em casa, e você às vezes comemora de uma forma que provoque, pode sim provocar alguma coisa, e isso não é só no futebol brasileiro, não. Movido à paixão não dá pra brincar.
Há algum tipo de contato entre as diretorias de torcidas rivais?
Converso com todas. Mas, o que falta são mais pessoas pra falar com todas. Não é que todas se conversam, eu falo com todas, mas uma grande maioria não há interlocução entre elas. Existem torcidas grandes de São Paulo, Rio que se falam entre elas, mas as vezes é restringido uma ou outra torcida, mas eu já sou uma coisa mais globalizada, falo com todas as torcidas.
G.R.T.O. DRAGÕES DA REAL
Sede: Av. Prestes Maia, 241, Sobreloja - Sala 206 - São Paulo/SP
Telefone: (11) 3311-8914
Site: www.dragoesdareal.com.br
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